PERCIVAL LAFER - CONSTRUTOR DE SONHOS

O décimo passeio do Clube MP Lafer Brasil foi realizado em 8 de abril de 2006, partindo de São Paulo para a cidade de Serra Negra, reunindo na estrada uma centena de conversíveis e uma presença mais do que ilustre para os entusiastas da marca, o  próprio criador do MP: Percival Lafer.
 
Foi a primeira vez que ele esteve presente num evento envolvendo os carros que idealizou e construiu durante os anos setenta e oitenta. Para se ter uma noção do que isto representa para um dono de MP, é como se um proprietário de Fusca pudesse acenar para Ferdinand Porsche numa rodovia da Alemanha, a caminho da Baviera.
 
A entrevista a seguir foi solicitada justamente nesta data, mas as perguntas foram formuladas somente alguns dias depois, e enviadas por e-mail. Dentre outros assuntos, Percival nos conta que além do projeto do MP, esteve envolvido em mais dois protótipos, sem contar a versão TI, direcionada aos mais jovens. 
 


Percival Lafer com o editor do site mplafer.net, Jean Tosetto, em foto de Rogério Novaes Arantes.  

O MP Lafer é um modelo de beleza clássica, com mecânica de fácil manutenção. Mas dentre outros atributos, trata-se de um veículo muito resistente - o que se verificou ainda na fase dos testes. De que forma e em que condições isto ocorreu?
 
- O principal teste realizado aconteceu na antiga estrada Rio-Santos, no trecho entre São Sebastião e Bertioga. Não havia propriamente uma estrada, e sim uma seqüência de trilhas, que muitas vezes desembocavam em praias. O carro passou  incólume por este teste, mostrando desde o princípio ter uma resistência extraordinária. Não foram necessários reforços ou modificações estruturais posteriores.
 
Outra característica de destaque no MP é seu acabamento primoroso, quando comparado ao padrão espartano dos modelos nacionais mais populares da época. Essa qualidade pode ser creditada ao "know-how" da Lafer na produção de móveis?
 
- Sim, foi graças não só ao nosso know how, mas também à nossa obstinação em alcançar o padrão que estabelecemos como meta antes do projeto começar: o de realizar um trabalho que fosse uma referência mundial em veículos de poliéster reforçado.
 
A carroceria do MP é composta de fibra de vidro. Com este material a Lafer produziu os notórios orelhões para a companhia telefônica de São Paulo. Até que ponto esta experiência colaborou na produção do veículo?   
 
- Todos os desenvolvimentos anteriores, não apenas com os orelhões, mas também móveis e outros equipamentos de mobiliário urbano contribuíram para o aperfeiçoamento de nossa técnica de fabricação de moldes. Este aspecto foi fundamental, porque sem moldes perfeitos não se consegue produzir peças com acabamento refinado.
 
Boa parte da produção do MP foi destinada aos mercados europeu e americano, com vendas também para a Ásia e África. Eventuais solicitações técnicas também eram incorporadas às unidades nacionais?
 
- Não necessariamente. Certas exigências visavam tão somente atender a normas locais. Foram incorporadas aquelas que julgamos importantes para o aperfeiçoamento do produto. 
 
Pouca gente sabe, mas a Lafer desenvolveu um projeto paralelo ao MP em meados dos anos 70, denominado LL, do qual há muito pouca informação. O senhor poderia descrevê-lo em linhas gerais? Quantas unidades foram produzidas?
 
- Foi um projeto que visava a criação de um coupé de luxo com características esportivas. A razão do projeto se fundamentava na legislação brasileira vigente à época, que dificultava ou impedia a importação de veículos. A proposta era muito válida, a de oferecer um veiculo de luxo para uma classe de consumidores com alto poder aquisitivo, que não podiam materializar seu sonho por impedimentos de ordem legal. O objetivo mercadológico era criar uma alternativa brasileira aos Mercedes da série SLC, obedecendo os seguintes critérios: mecânica de manutenção fácil e de bom desempenho (a que era disponível era a do Opala 4100, da GM); carroceria de desenho limpo e avançado; e interior luxuoso, claro, com abundancia de couro e madeiras nobres. 
Foram produzidos 5 protótipos apenas. O projeto foi abortado pelo vulto dos investimentos necessárias para produzí-lo em série.
 

O MP que Percival guiou até Serra Negra possui placas verdes, uma exclusividade para os fabricantes de automóveis.
 
Em 1977 os EUA enrijeceram as normas para a produção e importação de veículos. Esteticamente foi o fim dos pára-choques cromados em modelos ingleses como o Triumph e o MG B. Este fator teve alguma influência no lançamento da versão TI?
 
- Eu diria que a razão foi esta, mas não porque buscássemos a aprovação nos Estados Unidos, e sim porque as normas americanas provavelmente influenciaram o surgimento da tendência de design automotivo com ausência de cromados de um modo geral, não apenas os pára-choques. A proposta do TI era atrair o publico jovem, mais sensível a esta tendência.
 
O sucesso do MP Lafer pôde ser medido na ocasião por sua fácil associação ao âmbito das celebridades. Até os produtores da série James Bond 007 incluíram o carro num filme de 1979. Há alguns episódios interessantes a respeito?
 
- Além do filme Moonraker, com o Roger Moore no papel de James Bond, e de ter sido o carro da moda de várias celebridades (entre as quais o Jô Soares e a Marília Gabriela), é claro que houveram episódios interessantes, mas muito extensos para serem relatados numa entrevista como esta. 
 
Também como reflexo de sucesso foi o surgimento das réplicas do MP, porém com acabamento e confiabilidade inferiores. O que foi mais prejudicial às vendas do MP: o baixo preço destas réplicas ou a recessão econômica do Brasil nos anos 80? 
 
- Seguramente a recessão econômica. As cópias do MP nunca chegaram a ser concorrentes.
 
Além do modelo LL, sabe-se que a Lafer construiu um protótipo com a mesma aparência do MP, desta vez com motor na dianteira, e do qual igualmente há poucas referências adicionais. Há algo nele que possa ser mencionado?
 
- O protótipo com motor dianteiro está rodando normalmente, e é único. Sua construção é muito interessante, foi um desafio conseguir alojar o motor do Gol GT no estreito compartimento da carroceria. Para se conseguir esta configuração, o conjunto transmissão/diferencial foi montado na traseira, e ligado rigidamente ao motor através de um tubo com flanges em ambas as extremidades, à moda da Ferrari e Porsche. A distribuição de peso ficou excelente, aproximadamente 50/50.
 
Com o fim da produção do MP Lafer o senhor se voltou exclusivamente para o ramo da produção e distribuição de móveis com alto padrão de design. Como tem sido sua rotina de trabalho desde então?
 
- A mesma de sempre, trabalhando incessantemente no desenvolvimento de novos produtos. É um trabalho altamente estimulante, pela pesquisa contínua de novas soluções, mesmo se tratando apenas de móveis.
 

Da esquerda para a direita os dirigentes do Clube do MP - Marcos Antonio, Romeu Nardini e Walter Arruda - com Percival Lafer.
 
Quando se fala em design de móveis, as referências mais fortes são os italianos e dinamarqueses. Mas os brasileiros são reconhecidamente criativos. Neste aspecto, qual a posição do Brasil no cenário internacional?
 
-O design brasileiro tem se desenvolvido muito nos últimos anos. Alguns nomes já estão presentes com grande evidencia no mundo do design, mas ainda falta bastante para que a imagem do Brasil como um país que gera bom design em móveis se firme. Mesmo no mundo da moda, onde o Brasil já é quase adulto, a expressão internacional ainda é limitada.
 
Aos 30 anos a carreira de um jogador de futebol começa a declinar. Mas nesta idade, a trajetória de um arquiteto está apenas começando. Quais os conselhos que o senhor, como arquiteto bem sucedido em suas atividades, pode dar aos mais jovens?
 
- O ingrediente mais importante é gostar da profissão, e a partir daí, a obstinação em atingir seus objetivos. Desistir, jamais.
 
Nestes anos todos houveram muitos pedidos para a retomada do MP - o que obviamente seria inviável tecnicamente. Mas na atual conjuntura econômica, haveria espaço para um novo modelo que preenche-se a lacuna deixada por este conversível?
 
- A fabricação em serie limitada, obrigatoriamente utilizando processos semi-artesanais, como foi o MP, é no meu entender quase impossível na atual conjuntura econômica. Os custos de mão de obra se multiplicaram no Brasil, o MP custaria hoje uma pequena fortuna. A relação investimento/retorno, analisada friamente, impediria qualquer iniciativa séria. Mas fica a idéia para quem tem vontade de perder dinheiro para realizar um sonho.
 
O Clube MP Lafer Brasil foi criado em 1997, mas só agora em 2006 o senhor pôde comparecer a um evento, que foi o passeio até Serra Negra, reunindo uma centena de MPs na estrada. Quais foram as suas impressões a respeito?
 
- Embora eu venha de certa forma acompanhando à distancia as atividades do clube do MP Lafer, não posso negar que a visão direta de tantos MPs andando juntos na estrada me deram um nó na garganta. É incrivelmente surpreendente e gratificante saber que existem tantas pessoas que compartilham desta afeição.
 
Atualmente, o MP Lafer é um clássico nacional de crescente valorização entre os aficionados por carros antigos. Qual a sua mensagem para os proprietários e admiradores da marca, espalhados pelo Brasil e demais continentes?
 
- Do ponto de vista econômico, um ótimo investimento; a valorização de carros antigos é um fenômeno mundial. Se além disso, existe a curtição pelo carro, melhor ainda; não há dinheiro que pague o prazer de curtir aquilo que gostamos.
 

Os MPs perfilados no centro comercial de Serra Negra.
 
Por Jean Tosetto e Rene Sarli
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