O MP Lafer é um
modelo de beleza clássica, com mecânica de fácil manutenção. Mas dentre
outros atributos, trata-se de um veículo muito resistente - o que
se verificou ainda na fase dos testes. De que forma e em que condições
isto ocorreu?
- O principal teste realizado
aconteceu na antiga estrada Rio-Santos, no trecho entre São Sebastião e
Bertioga. Não havia propriamente uma estrada, e sim uma seqüência de
trilhas, que muitas vezes desembocavam em praias. O carro passou
incólume por este teste, mostrando desde o princípio ter uma resistência
extraordinária. Não foram necessários reforços ou modificações estruturais
posteriores.
Outra característica de
destaque no MP é seu acabamento primoroso, quando comparado ao padrão
espartano dos modelos nacionais mais populares da época. Essa
qualidade pode ser creditada ao "know-how" da Lafer na produção de
móveis?
- Sim, foi graças não só ao nosso
know how, mas também à nossa obstinação em alcançar o padrão que
estabelecemos como meta antes do projeto começar: o de realizar um
trabalho que fosse uma referência mundial em veículos de poliéster
reforçado.
A carroceria do
MP é composta de fibra de vidro. Com este material a Lafer produziu
os notórios orelhões para a companhia telefônica de São Paulo. Até
que ponto esta experiência colaborou na produção do
veículo?
- Todos os desenvolvimentos
anteriores, não apenas com os orelhões, mas também móveis e
outros equipamentos de mobiliário urbano contribuíram para o aperfeiçoamento
de nossa técnica de fabricação de moldes. Este aspecto foi fundamental,
porque sem moldes perfeitos não se consegue produzir
peças com acabamento refinado.
Boa parte da produção do MP
foi destinada aos mercados europeu e americano, com vendas também para a Ásia
e África. Eventuais solicitações técnicas também eram incorporadas às
unidades nacionais?
- Não necessariamente. Certas
exigências visavam tão somente atender a normas locais. Foram incorporadas
aquelas que julgamos importantes para o aperfeiçoamento do
produto.
Pouca gente sabe, mas a Lafer desenvolveu um projeto paralelo ao MP em meados dos anos 70, denominado
LL, do qual há muito pouca informação. O senhor poderia descrevê-lo
em linhas gerais? Quantas unidades foram
produzidas?
- Foi um projeto que visava a
criação de um coupé de luxo com características esportivas. A razão do
projeto se fundamentava na legislação brasileira vigente à época, que
dificultava ou impedia a importação de veículos. A proposta era muito válida,
a de oferecer um veiculo de luxo para uma classe de consumidores com alto
poder aquisitivo, que não podiam materializar seu sonho por impedimentos de
ordem legal. O objetivo mercadológico era criar uma alternativa brasileira aos
Mercedes da série SLC, obedecendo os seguintes critérios: mecânica de
manutenção fácil e de bom desempenho (a que era disponível era a do Opala
4100, da GM); carroceria de desenho limpo e avançado; e interior luxuoso,
claro, com abundancia de couro e madeiras nobres.
Foram produzidos 5 protótipos
apenas. O projeto foi abortado pelo vulto dos investimentos necessárias para
produzí-lo em série.
O MP que Percival
guiou até Serra Negra possui placas verdes, uma exclusividade para os
fabricantes de automóveis.
Em 1977 os EUA enrijeceram
as normas para a produção e importação de veículos. Esteticamente foi o
fim dos pára-choques cromados em modelos ingleses como o Triumph e
o MG B. Este fator teve alguma influência no lançamento da
versão TI?
- Eu diria que a razão foi
esta, mas não porque buscássemos a aprovação nos Estados Unidos, e
sim porque as normas americanas provavelmente influenciaram o surgimento
da tendência de design automotivo com ausência de cromados de um
modo geral, não apenas os pára-choques. A proposta do TI era atrair
o publico jovem, mais sensível a esta tendência.
O sucesso do MP Lafer pôde
ser medido na ocasião por sua fácil associação ao âmbito das
celebridades. Até os produtores da série James Bond 007 incluíram o carro
num filme de 1979. Há alguns episódios interessantes a
respeito?
- Além do filme Moonraker, com o
Roger Moore no papel de James Bond, e de ter sido o carro da moda
de várias celebridades (entre as quais o Jô Soares e a Marília Gabriela),
é claro que houveram episódios interessantes, mas muito extensos para serem
relatados numa entrevista como esta.
Também como reflexo
de sucesso foi o surgimento das réplicas do MP, porém com acabamento
e confiabilidade inferiores. O que foi mais prejudicial às vendas do
MP: o baixo preço destas réplicas ou a recessão econômica do Brasil
nos anos 80?
- Seguramente a recessão econômica.
As cópias do MP nunca chegaram a ser concorrentes.
Além do modelo
LL, sabe-se que a Lafer construiu um protótipo com a
mesma aparência do MP, desta vez com motor na dianteira,
e do qual igualmente há poucas referências adicionais. Há algo nele que
possa ser mencionado?
- O protótipo com motor dianteiro
está rodando normalmente, e é único. Sua construção é muito interessante, foi
um desafio conseguir alojar o motor do Gol GT no estreito compartimento da
carroceria. Para se conseguir esta configuração, o
conjunto transmissão/diferencial foi montado na traseira, e ligado
rigidamente ao motor através de um tubo com flanges em ambas as extremidades,
à moda da Ferrari e Porsche. A distribuição de peso ficou excelente,
aproximadamente 50/50.
Com o fim da produção do MP Lafer o senhor se voltou exclusivamente para o ramo da produção
e distribuição de móveis com alto padrão de design. Como tem
sido sua rotina de trabalho desde então?
- A mesma de sempre, trabalhando
incessantemente no desenvolvimento de novos produtos. É um
trabalho altamente estimulante, pela pesquisa contínua de novas soluções,
mesmo se tratando apenas de móveis.
Da esquerda para a direita os
dirigentes do Clube do MP - Marcos Antonio, Romeu Nardini e Walter Arruda -
com Percival Lafer.
Quando se fala em design de
móveis, as referências mais fortes são os italianos e dinamarqueses.
Mas os brasileiros são reconhecidamente criativos. Neste aspecto, qual a
posição do Brasil no cenário internacional?
-O design brasileiro tem se
desenvolvido muito nos últimos anos. Alguns nomes já estão presentes com
grande evidencia no mundo do design, mas ainda falta bastante para que a
imagem do Brasil como um país que gera bom design em móveis se
firme. Mesmo no mundo da moda, onde o Brasil já é quase adulto, a expressão
internacional ainda é limitada.
Aos 30 anos a carreira de
um jogador de futebol começa a declinar. Mas nesta idade, a trajetória de um
arquiteto está apenas começando. Quais os conselhos que o senhor, como
arquiteto bem sucedido em suas atividades, pode dar aos mais
jovens?
- O ingrediente mais importante é
gostar da profissão, e a partir daí, a obstinação em atingir seus objetivos.
Desistir, jamais.
Nestes anos
todos houveram muitos pedidos para a retomada do MP - o que obviamente
seria inviável tecnicamente. Mas na atual conjuntura econômica, haveria espaço
para um novo modelo que preenche-se a lacuna deixada por
este conversível?
- A fabricação em serie limitada,
obrigatoriamente utilizando processos semi-artesanais, como foi o
MP, é no meu entender quase impossível na atual conjuntura econômica. Os
custos de mão de obra se multiplicaram no Brasil, o MP custaria hoje uma
pequena fortuna. A relação investimento/retorno, analisada friamente,
impediria qualquer iniciativa séria. Mas fica a idéia para quem tem vontade de
perder dinheiro para realizar um sonho.
O Clube MP Lafer Brasil foi criado em 1997, mas só agora em 2006 o senhor pôde
comparecer a um evento, que foi o passeio até Serra Negra, reunindo uma
centena de MPs na estrada. Quais foram as suas impressões a
respeito?
- Embora eu venha de
certa forma acompanhando à distancia as atividades do clube do MP Lafer,
não posso negar que a visão direta de tantos MPs andando juntos na estrada me
deram um nó na garganta. É incrivelmente surpreendente e
gratificante saber que existem tantas pessoas que compartilham desta
afeição.
Atualmente, o MP Lafer é
um clássico nacional de crescente valorização entre os aficionados por
carros antigos. Qual a sua mensagem para os proprietários e
admiradores da marca, espalhados pelo Brasil e demais
continentes?
- Do ponto de vista econômico, um
ótimo investimento; a valorização de carros antigos é um fenômeno mundial. Se
além disso, existe a curtição pelo carro, melhor ainda; não há dinheiro
que pague o prazer de curtir aquilo que gostamos.
Os MPs perfilados
no centro comercial de Serra Negra.
Por Jean Tosetto e Rene
Sarli